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Do final do
século XIX até as primeiras três décadas do século XX, a região do Sertão do
médio Pajeú, especialmente o município de Serra Talhada, conhecido como Vila
Bela, tornou-se cenário de um conflito quase secular entre as famílias Pereira
e Carvalho. A exibição de linhagens e emblemas em Vila Bela ajudou a moldar um
processo de espacialização das relações de poder, onde os Pereiras
representavam uma liderança rural e os Carvalhos, uma liderança urbana. Campo e
cidade foram definidos como áreas de conquista e manutenção de domínio. O
propósito deste estudo é examinar os conceitos teórico-metodológicos de poder e
espacialização, assim como o território como uma categoria espacial essencial
para entender o conflito entre as Famílias Pereira e Carvalho na antiga Vila
Bela, hoje Serra Talhada, como um relato histórico de espacialização das
relações de poder no Brasil do começo do século XX.
As
vivências do presente são parte das respostas que emergem ao se questionar o
passado. Dessa forma, surgem questões que geram uma série de problemas naturais
para o historiador, que busca, no passado, as justificativas para diversos
aspectos que formam o seu cotidiano.
No dia 03
de abril de 2014, o Diário de Pernambuco, um dos principais jornais do Estado,
apresentava a seguinte manchete: “Faroeste moderno: Conflito familiar é a
principal hipótese para a onda de homicídios em Serra Talhada” (Diário de
Pernambuco, 03 de abril de 2014). A reportagem mostrava a situação dos
homicídios que afetaram a cidade nos primeiros três meses de 2014. Durante esse
período, a liderança policial de Pernambuco reportou um total de 18 homicídios
no município, o que representou o segundo pior início de ano na história de
Serra Talhada, fazendo com que a cidade continuasse a ser associada na mídia
com a violência.
Foi na
Serra Talhada que reproduziam eventos, por parte de seus criadores, discursos
que se pretendiam sertanejos. Eram falas sobre posse, bravura, moralidade,
vingança, ostentação de linhagens e emblemas, e especialmente de valorização do
espírito de clãs. Esses discursos marcaram minha infância e adolescência,
levando-me, na função de historiador, a procurar as razões para uma sociedade
tão influenciada por esses elementos, que ajudaram a definir o estigma da
valentia do sertanejo, do “cabra macho”, personificado em figuras como Senhor
Pereira e Virgulino Ferreira da Silva (o Lampião), entre outros.
Numa tarde
uma senhora recebeu a informação por telefone de que um de seus primos, de nome
João Pereira de Carvalho, havia sido morto na residência de uma de suas tias.
Uma frase
ouvida naquele momento chacoalhou profundamente, foi ela: Eu avisei! Eu avisei
que Carvalho não deve se envolver em disputas de Pereira.
Analisando
o passado, desenvolvendo essa cultura de maneira científica, a narrativa dos
acontecimentos que integram a história do município e da sociedade de Serra
Talhada, são muitos os exemplos de famílias que vivenciaram conflitos quase
intermináveis no sertão; neste caso específico, referimo-nos a uma rivalidade
entre os Pereiras e os Carvalhos, dois clãs que, desde o século XVIII,
desempenham o papel de líderes na área do Pajeú, que se situa entre os estados
de Pernambuco, Ceará e Paraíba.
Os
Carvalhos e os Pereiras, cada um desses grupos familiares, defendiam o que
consideravam mais sagrado, como afirmavam, representado por seus nomes, seus
brasões, sua honra, sua moral e, principalmente, sua linhagem. A noção de
sangue, no sertão, adquiriu um significado mais amplo, justificando o apego
desses homens às suas famílias. Além de seu sentido literal, a palavra sangue
sugere hereditariedade, ficando ainda mais intensa quando se fazia o gesto de
tocar as veias do braço ao se referir a irmãos, primos e pais. Desse modo,
qualquer ato que ameaçasse a honra ou a moral de uma família alcançava
dimensões imensuráveis, pois a ofensa não atingia apenas uma pessoa, mas alguém
que compartilhava o mesmo sangue com seus parentes. Todos sentiam a
responsabilidade de preservar o nome da família e buscar justiça.
Estudar o
comportamento das pessoas dentro da sociedade, apenas do ponto de vista
exterior, observando apenas os gestos e sinais, limitando-se ao que é visível e
registrável, "é rejeitar toda uma faceta da realidade social que forma um
conjunto de eventos tão autênticos e tangíveis quanto aqueles que podem ser
percebidos externamente" (ROCHER, 1976, p. 30). Nesse contexto, a história
se torna uma disciplina essencial para entender a estrutura social, pois
"todo fenômeno social sempre acontece em um contexto histórico e, além
disso, a história é sempre a história de sociedades" (VILA NOVA, 2009, p.
36).
A pesquisa
científica sobre a sociedade exige mais do que a simples observação dos
fenômenos sociais; ela requer, principalmente, a compreensão através da
participação. Os eventos históricos mencionados neste artigo, junto com suas
consequências na elaboração de uma análise das relações de poder, resultam da uma
experiência direta em Serra Talhada. Não busquei a narrativa dos eventos
relacionados ao conflito entre as famílias Pereiras e Carvalhos apenas pela
observação dos fatos; sou um descendente direto delas e cresci imerso na
intensidade dos laços familiares e sanguíneos, mas, em relação à pesquisa, não
serei nem Pereira nem Carvalho, mas sim um pesquisador genealógico autônomo.
Texto de Eugênio Pacelly Alves
Referências bibliográficas:
ROCHER, Guy. Talcott Parsons e a sociologia americana. Trad. Olga Lopes da Cruz. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1976.
VILA
NOVA, Sebastião. Introdução à Sociologia. – 6. ed. rev. e aum. – São Paulo:
Atlas, 2009.
Pereiras x Carvalhos em seu devido lugar . Disponível em: >(https://lampiaoaceso.blogspot.com/2021/10/pereiras-x-carvalhos-em-seu-devido-lugar.html)<. Acesso em 16 de outubro de 2024.
Prenuncio de Uma Guerra Anunciada, Nasce Sinhô Pereira. Disponível em: >(https://cariricangaco.blogspot.com/2010/04/prenuncio-de-uma-guerra-anunciada-nasce.html)<. Acesso em 22 de outubro de 2024.
Brigas entre famílias no Brasil colônia duram até hoje. Disponível em: >(https://cariricangaco.blogspot.com/2016/11/brigas-entre-familias-no-brasil-colonia.html)<. Acesso em 29 de outubro de 2024.
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