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A narrativa da colonização na Bahia no século XIX é, principalmente, uma crônica de tentativas durante esse tempo que não levaram a um processo significativo - tanto quanto à quantidade de população na Província quanto às mudanças nas relações sociais, que poderiam ter surgido com a introdução de novas formas de trabalho ou com o estabelecimento de diferentes formas de troca que afetariam práticas tradicionais.
Em
contraste, durante os variados períodos de uma política imperial de imigração e
colonização, o que se observou foram várias tentativas frustradas de
colonização na Bahia. A iniciativa de criar colônias agrícolas no Brasil
começou em 1808, quando D. João VI promulgou um decreto permitindo a concessão
de terras a estrangeiros. A partir deste momento, uma trajetória de modificações
legais, eventos políticos e desafios econômicos começou a influenciar, de forma
direta ou indireta, o rumo dessa política.
As
primeiras colônias formadas, a partir de 1818, foram criadas em terras chamadas
sesmarias, que foram doadas a estrangeiros por D. João VI, conforme o decreto
de 1808. Esses imigrantes foram responsáveis pela formação das diversas
colônias, mas, para essas primeiras tentativas, o Brasil ainda carecia de uma
legislação que as regulasse.
Com
a independência e a estruturação do Império brasileiro, uma série de leis e
decretos imperiais começou a moldar uma política nacional de colonização.
Janaina Amado destaca que tal política era marcada por uma interminável
sucessão de normas, que constantemente alteravam os direitos e obrigações dos
colonos, agrupados em legislações diferentes de acordo com a data de sua
chegada ao país.
Todavia,
não foram apenas os direitos e deveres dos colonos que passaram por mudanças.
Em 1830, a lei orçamentária cortou os fundos destinados ao programa de
colonização. Entre 1830 e 1834, quase se extinguiu a imigração de estrangeiros
para o Brasil, até que, nesse último ano, um Ato Adicional, como menciona
Thales de Azevedo, “... transferia à competência das províncias a matéria de
colonização, sem que estas tivessem os recursos necessários ou definidas suas
atribuições”.
Assim,
logo após seu início, a colonização foi colocada sob a responsabilidade das
províncias, o que resultou em direções variadas em cada local onde foi
implementada. Essas frequentes alterações nas leis demonstram que, na primeira
metade do século XIX, não havia uma orientação clara e coerente na política de
colonização, que se destacava, no entanto, como uma política permissiva ao
acesso à terra para imigrantes estrangeiros.
Na
década de 1840, segmentos da produção de café, representados pelo Senador Vergueiro,
adotaram em suas propriedades o sistema de parceria, buscando empregar
imigrantes como mão de obra. Essa abordagem, além de atender à demanda por
trabalhadores nas plantações de café, pode ser interpretada como uma clara
resposta desses setores à política imperial que favorecia estrangeiros como
proprietários de terra.
A
partir de 1850, com a implementação da Lei de Terras, o governo introduziu um
mecanismo legal que estabelecia as maneiras de acesso à terra e uma política de
colonização focada em atender os interesses de determinados segmentos da
agricultura nacional, especialmente aqueles que viam valor na mão de obra
disponível.
Na
Bahia, o processo de colonização agrícola começou em 1818, coincidindo com a
criação de várias colônias em diversas regiões do país. Assim como em outras
partes do Brasil, essas colônias foram formadas através da doação de terras em
áreas desabitadas (no sul da Bahia), visando à ocupação.
Contudo,
a partir de 1850, a abordagem de colonização na Bahia passou a ter um novo
formato. Foram criadas colônias tanto de origem nacional quanto estrangeira,
com a intenção de resolver a carência de mão de obra apontada pelas autoridades
locais, consequência do fim do tráfico de escravos.
De
acordo com as informações fornecidas por Francisco Vicente Vianna, é possível
identificar três períodos da colonização na Bahia durante o século XIX:
• 1818 a 1828 — colonização por
imigrantes estrangeiros;
• 1857 a 1870 — colonização promovida
por nacionais;
• 1873 — retorno à colonização estrangeira.
Na segunda metade do século XIX, a questão da colonização tornou-se uma prioridade para os administradores provinciais na Bahia, que realizaram diversas iniciativas para a criação de núcleos coloniais. Entretanto, a falta de investigações sobre o tema faz com que essas iniciativas sejam, na maior parte, desconhecidas.
Este
estudo tem como objetivo esclarecer como ocorreu o processo de colonização na
Bahia, sob a direção do governo e com a colaboração da elite agrária local, que
era escravocrata e relutante em aceitar mudanças. Em outras palavras, a
intenção é examinar a gestão de uma política que buscava promover a pequena
propriedade e o trabalho livre, por uma oligarquia agrária relacionada ao
sistema mercantil escravista, em um contexto onde as relações de produção
estavam se desmoronando rapidamente.
O
ano de 1850 foi escolhido como o ponto de partida cronológico por causa da
extinção do tráfico de escravos e da promulgação da Lei de Terras — ambos
eventos que influenciaram diretamente a dinâmica da política de colonização
nesse período.
As
tentativas de colonização da primeira metade do século XIX são abordadas neste
trabalho a fim de elucidar os traços iniciais da política de colonização e, ao
mesmo tempo, destacar as diferenças entre os núcleos formados nesse período e
aqueles criados após 1850.
Como
ponto final, o ano de 1889 foi determinado por causa das mudanças
político-econômicas que ocorreram naquele ano, que também representou,
legalmente, o fim do trabalho escravo e a Proclamação da República. Além disso,
esse ano assinala o término da principal fonte documental utilizada.
Foram utilizadas, principalmente, duas
fontes na elaboração deste trabalho: a documentação referente à colonização na
Bahia, intitulada "Colonos e Colônias", e as declarações dos
Presidentes da Província da Bahia.
A
fonte inicial — Colonos e Colônias — está arquivada no Arquivo Público do
Estado, na Seção Histórica, em cinco lotes, abrangendo o intervalo de 1828 a
1889, organizados da seguinte maneira:
• Lote 4604 — de 1855 a 1858;
• Lote 4605 — de 1875 a 1876;
• Lote 4606 — de 1857 a 1884;
• Lote 4607 — de 1848 a 1888;
• Lote 4608 — de 1828 a 1889.
Todos
os registros dentro desses cinco lotes são manuscritos. Esses documentos
constituem uma coleção de cartas enviadas à presidência da Província sobre
temas diretamente ligados à colonização.
Além
das cartas propriamente ditas (incluindo ofícios, memorandos e assim por
diante), essa documentação contém alguns relatórios dos diretores das colônias
sobre a situação administrativa, financeira, econômica, moral e social das
mesmas. Também há contratos para a importação e a instalação de colonos,
propostas para a criação de novas colônias e seus regulamentos, além de quadros
que demonstram a população, os itens, alimentos e produtos cultivados, mapas
geográficos e documentos de avaliação elaborados por comissões designadas pela
presidência da Província, bem como pedidos de agrupamento de colonos, entre
outros.
Em
relação às colônias fundadas na primeira metade do século XIX, a pesquisa
revelou uma documentação bastante incompleta. Poucos documentos foram
encontrados, deixando várias lacunas, como a trajetória da Colônia Leopoldina
desde a sua fundação até a sua transformação em um grupo de propriedades rurais
independentes. Informações sobre o funcionamento, organização e produção dessa
colônia e das demais daquele período também são limitadas.
Quanto
às colônias criadas após 1850, foram identificadas uma quantidade razoável de
dados. No entanto, a diversidade de assuntos tratados nos registros
impossibilitou a padronização das informações, tanto entre as diferentes
colônias quanto em relação a uma mesma colônia ao longo do tempo. Além disso,
vários documentos encontrados — como regulamentos e contratos — parecem ter
sido apenas propostas, e não se tem certeza se foram oficializadas ou
implementadas.
Para,
em parte, redimensionar as lacunas na documentação dos lotes Colonos e
Colônias, foram utilizados os Discursos dos Presidentes da Província,
referentes ao período de 1850 a 1889. Essa fonte, além de fornecer informações
complementares sobre a vida nas colônias e a população rural livre, também
oferece pistas sobre a postura dos líderes em relação à colonização – ou seja,
as justificativas e os objetivos oficiais da política colonizadora.
A
maioria dos Discursos do período em questão apresenta um tópico específico
sobre colonização, sendo essa seção o foco da análise. Com poucas exceções,
também foram abordados outros temas vinculados à agricultura, terras públicas,
entradas e saídas de estrangeiros, entre outros.
Como
documentação de suporte, foram consultadas as coleções de Leis do Império, Leis
da Província e os Livros da Alfândega de Salvador. Na primeira fonte, pouco
material pertinente à Bahia foi encontrado, indicando que a decisão sobre
questões de colonização estava mais concentrada na Província do que no Império.
Nas
regulamentações provinciais, algumas disposições sobre a formação de colônias e
a formalização de acordos de empréstimos entre cidadãos e o Governo para a
importação de colonos e a criação de colônias foram identificadas.
Os
Registros da Alfândega, que documentam a entrada e saída de passageiros, embora
tenham demandado um tempo considerável para pesquisa, apresentaram dificuldades
em sua utilização. Esse registro é composto por um total de 100 volumes,
abrangendo de 1855 a 1964, um século completo, mas este estudo utilizou apenas
os dados referentes à chegada de imigrantes na Bahia entre 1856 e 1864.
As
principais razões para essa seleção foram:
1.
A falta de registros entre 1865 e 1873, um intervalo no qual não há informações
disponíveis nos registros da Alfândega;
2.
A necessidade de analisar o movimento migratório para a Bahia no período que
precedeu a proibição do comércio de escravos e o subsequente surgimento da
"crise de mão de obra".
Além disso, o registro do período de
1856 a 1864 mostrou-se mais abrangente e confiável em comparação aos anos
subsequentes, pois documentava apenas os estrangeiros que chegavam de fora, o
que tornava sua análise mais clara do que nos anos posteriores, quando passaram
a ser registrados todos os passageiros (tanto estrangeiros quanto brasileiros),
vindos tanto do exterior como de outras áreas do Império – ou até mesmo do
interior da Bahia.
Texto adaptado por Eugênio Pacelly Alves
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